domingo, 12 de abril de 2020

A minha história com os coelhinhos da Pascoa !

A minha história com os coelhinhos da Pascoa !
Já faz algum tempo que, certo dia, saí cedo de casa em direcção aos pinhais que ficam lá bem longe.
Levava num alforge muitas cenouras, ainda com rama, viçosas, que na véspera, ao fim do dia, tinha ido arrancar.
Nas mãos, uns sacos com algumas alfaces. Essas, já as tinha ido apanhar logo que naquele dia me levantei, para irem ainda mais viçosas que as cenouras. Cheiravam ainda a um misto de terra fresca e o cheiro pouco intenso mas fresco dos legumes, o cheiro leve da alface.
Logo aos primeiros passos, assim que me embrenhei nos pinhais, senti as bainhas das calças e as botas ficarem molhadas. Nada de estranhar, era a humidade e a água acumulada nas ervas, nos arbustos e nos ramos que ia pisando. Estava tudo ainda molhado antes que apanhassem o sol do meio da manhã que prometia ser bom.
Andei o suficiente para não não ver nem ser visto de fora do pinhal, procurei uma pedra, uma laje plana e mais elevada, sentei-me e pensei no meu plano, no que me levara ali.
Enquanto isso, dei tempo a que tudo o que por ali pudesse andar, ser vivo, coisa que sentisse ou pressentisse, réptil, animal roedor ou ave, se adaptasse á minha presença, se acomodasse e me sentisse como coisa dali ou coisa ausente.
E, aqui chegado à lage, parei. Para pensar em quantos estariam já a ler ou iriam ler isto e já haviam chegaram até aqui. Alguns até continuarão e chegarão mais à frente, outros, a grande maioria, passará por isto como quem, logo pela manhã, desce a calçada perto da rua onde vive, passa em frente da porta escancarada por onde se podem ver peças maravilhosas de ouro cintilante, telas gigantes dos mestres mais apreciados e, ao fundo daquele espaço, uma ampla janela que mostra a vista das montanhas ainda quase cobertas de neve, com ribeiros cheios de águas correntes por entre seixos e calhaus roliços onde corsas, veados, coelhos, podeis e cavalos vão beber, se refrescam e outros parecem estar mesmo num prolongado banho de higiene matinal.
De facto, a grande maioria dos que passam e que aqui chegaram numa leitura rápida, nem deram pela porta escancarada, quanto mais pelo que por ela se podia ou pode ver. Todos esses, continuarão com o passo apressado até ao lugar, a banca do padeiro, onde todos os dias, quase à mesma hora, vão criteriosamente recolher as dez carcaças que hão-de chegar até ao dia seguinte.
Deixei-me por ali ficar, tranquilo, até que o passar do tempo acabou por ocultar mesmo a minha presença. Foi quando começaram a surgir, sem qualquer receio, os primeiros coelhos dos muitos que habitam aqueles pinhais. Coelhos bravos, faço notar.
Já tinha por ali espalhadas algumas das cenouras, começaram a cheirá-las, depois a roe-las e gostaram. E, a seguir a estes, vieram outros. E outros, e outros e mais ainda. A partir dali, já sentiam mesmo a minha presença mas, de mim, não mostravam qualquer receio. Vieram aos poucos mais e mais coelhos, mais e mais grilos, melros e rolas, tentilhões, uma poupa e dois corvos. Acabaram por aceitar a minha presença. Os grilos, começaram num alarido de gri-gris que davam ao ambiente a beleza e o sabor do que é realmente a própria Natureza.  
Os coelhos, como se sabe, são muito prolíferos. As fêmeas estão quase sempre com cio, duas vezes por mês. E o ciclo de fecundação e dar à luz, demora apenas um mês. Copulam vezes sem conta, apenas necessitando de breves repousos para voltar à acção. Já os grilos, são quase iguais. Só não se nota tanto por serem muito mais pequenos, tornam-se por isso muito mais discretos. São, coelhos e grilos, os campeões das rapidinhas.
E, sem perder tempo, visto que confirmei que tanto coelhos como grilos apreciaram e muito as cenouras e as folhas de alface, iniciei com todos eles o meu processo negocial.
Comprometi-me a dar-lhes mais e mais cenouras e alfaces, se eles colaborassem comigo na reprodução e proliferação de outros exemplares que me dariam muito jeito para os meus planos futuros.
Sabia, de guerras passadas, o apreço que certos povos europeus tinham demonstrado por algumas e raras espécies portuguesas, já não consumidas no mercado interno mas ainda assim, com grandes hipóteses, nichos de mercado, nos países do norte da Europa, nos Estados Membros mais prósperos, abstémios, tanto quanto a álcool desde que não seja o das scnhaps, vodka ou brandvijn, como de mulheres, desde que não sejam as das montras do Bairro Vermelho e dos canais de Amesterdam.
Então, o meu plano, o que eu queria mesmo, era simples. Sei do poder prolifero, de multiplicação acelerada, da fecundidade e cópulas constantes e muito produtivas de grilos e coelhos. Vim em busca dessa sua característica para que me pudessem ajudar no meu plano a que nem sinistro posso chamar. Um plano, baseado em atributos naturais de outras espécies, na Natureza, pronto.
E foi assim que cheguei a fazer-me entender, para grilos e coelhos, que eles fariam a proliferação dos exemplares que eu lhes pedia e, eu, seria pródigo, enquanto o trabalho durasse, na distribuição de cenouras e folhas de alface.
O que pretendia eu ?
Pois bem, fabricar em continuo, em fornicação continua de grilos e coelhos, o maior numero possível de exemplares do passado já quase esquecido. Passos de cara sisuda, olhar patético mas a denotar um ódio visceral a tudo e todos que não fossem dos seus eleitos e correligionários, sobretudo aos mais jovens e aos de cabelo grisalho, Cavacos de comportamento estranho, antiquados e bafientos, daqueles que se mostram intranquilos nas cerimonias publicas por não saberem muito bem onde colocar as mãos e que denotam, em todas as circunstancias, um sentimento muito próprio de quem não está mesmo nada bem nem com a vida, nem com os outros e consigo próprio, No entanto, com um convencimento doentio da sua superioridade moral e intelectual, mesmo que os factos e as evidências provem o contrário. Ah, e quereria também umas quantas Marias Luisas, daquelas estilo de "deixem-me cá salvar os milhões que são raros e custam a arrecadar, que dos miseráveis alguém se encarregará ou mesmo que batam a bota, nada será perdido que ME faça falta".
Hoje, vamos já no terceiro mês de execução do nosso acordo e, posso garantir, a produção tem sido excelente.
As exportações vão correndo ao ritmo possivel que os contentores da Maersk vão dando conta.
Entretanto, os países abastados, abstémios e puros do norte e centro da Europa, aqueles que apenas bebem schnaps, vodka e brandjvin e dão rapidinhas regular e periodicamente nos Bairros Vermelhos e nas bordas dos canais holandeses, estão a fazer-me notar que já se encontram infestados, atolados e enojados com as mudanças que os bandos de exemplares importados produziram nas suas sociedades. Já ninguém se importa com ninguém. Os grisalhos, até ali pessoas estimadas, escutadas e admiradas pela sua experiência e saber, passaram a amontoar-se, manhã após manhã, nos reservatórios do lixo para reciclar. 
Os jovens que davam vida ás cidades e aqueciam os ambientes naquelas paragens gélidas, debandavam para países do sul e até para as Américas.
A vida, a sociedade, estavam a tornar-se impossíveis, a desumanização era tremenda, sucediam-se já os apelos das massas por mais solidariedade, igualdade e fraternidade. Tal como na Revolução Francesa, quase se anteviam carreirinhos de Marias Luisas a correr para os cadafalsos, Passos e Cavacos para as guilhotinas.
O povo, as multidões, podem, por vezes, ser levados pelas palavras em moda dos seus chefes, podem dar a ideia que são parvos e insensíveis. Mas, lá no fundo, quando a coisa toca a sério para o torto, mostram mesmo que acordam e fazem valer os seus sábios argumentos e saberes.
Nesta fase, por estes dias, dei ordens a grilos e coelhos que parassem com a produção, com o ritmo da fornicação.
É que, pelo que os povos do norte e os mais ricos do centro da Europa me fazem saber, fornicados, ja se sentem eles com aquele género de exemplares.
Em conclusão, a vida é mesmo uma escola. E, na escola da vida, tudo se aprende, até aquilo que tantas vezes nos parece impossível que venha a ser entendido e absorvido.
Carlos Pereira Martins



Não será bem a história que eu gostaria de contar, nesta Páscoa, aos meus dois netos que não vi nem com eles estive ao vivo! Mas é uma história, dos dias que correm. Ao Nuno e à Maria.


1 comentário:

  1. Estimado amigo. As suas palavras não me surpreendem pois há muito que aprecio a sua frontal forma de ser. Gostei bastante do texto, misto de reparo/poético em ambiente rural propício à sua capacidade de comunicação.Também lamentei o não ter estado fisicamente com os meus netos, nem com os meus filhos.Paciência é o que nos resta e sobretudo esperança em breves tempos da melhor qualidade que julgo a maior parte de nós merece.Um sincero obrigado pelas palavras que são uma "montra" da qualidade de quem a tem e sabe usar. Forte abraço.

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