quarta-feira, 28 de outubro de 2020

MUDAM-SE OS TEMPOS, FICAM-ME AS SAUDADES AGUIEIRA , anos 50 a 70

 


MUDAM-SE OS TEMPOS,  FICAM-ME  AS  SAUDADES

AGUIEIRA ,  anos  50  a 70 



Sem ter que pensar nisso, era como se a vida fosse exactamente  e só como eu a vivia, naqueles anos da década de 50.

Logo de manhã, sair de casa com o meu pai ou a minha mãe, descer a carreira em frente à casa onde sempre se viveu, dobrar a esquina e passar a casa dos caseiros, subir a ladeira até ao cimo da quinta onde  pontificava  a  casa da minha avó e madrinha, logo à entrada do portão de acesso no Alto da Aguieira. 
Pelo meio, passava pela casa dos bois, logo a seguir à   casa dos caseiros,   pelo eucalipto gigante, o forno, a tilia centenária, a capelinha do Sto Antonio da Aguardente  com a eira onde se secavam e guardavam os cereais logo em baixo.

Em casa  da minha avó  entrava-se pela porta principal, não havia ainda a que mais tarde foi aberta e dá agora directamente da rua para a cozinha. 
Logo à esquerda, um bengaleiro alto com uma gaveta ao meio e logo se via se lá havia correio ainda do dia anterior. Virava-se à direita e passava-se pela Sala cá de Baixo, logo atravessando uma espécie de túnel, um metro e meio coberto de tecto mais baixo e entrava-se na cozinha. 

Por  essa altura já o meu pai tinha dado o cumprimento habitual   “Ó minha mãe! “  e   "Ó minha mãe, está tudo bem? “
Na cozinha, para além da minha avó poderia ainda estar o Anibal, o “Mudo”, pois era mesmo surdo mudo. Normalmente, aquela hora, a comer umas sopas de café com broa  dentro,  numa malga grande, a dele. Era sempre aquela a malga do Anibal.

Está aí  o João, perguntava o meu pai.  O Silvério já foi ?

O João, meu tio e padrinho, já andaria pela adega ou mesmo  “lá para além” no meio da quinta, com o caseiro e os homens que tinham vindo trabalhar.
O Silvério, meu tio também, estaria para sair ou já teria ido trabalhar, lá para os Serviços Florestais com escritórios na outra ponta da cidade.

Era conversa rápida pois o meu pai ia para o Banco, o BNU, que na altura abria ás nove horas, fechava do meio dia ás duas da tarde e depois fechava ás seis. Tudo isso mudou, depois do final dos anos sessenta. 
Mas, ao fim da tarde, quando regressava a casa, era paragem obrigatória em casa da minha Madrinha (avó) para conversar depois de ler o Primeiro de Janeiro que a minha avó sempre assinou, anos 50 e 60, apesar de ser uma senhora viuva desde muito nova, criar os filhos e tomar conta da quinta que era grande.  O jornal era atirado para a passagem de nível da Aguieira, todos os dias, pelo maquinista do comboio que chegava por volta das duas da tarde na Linha do Vouga. Depois, alguém por ali estava para o recolher ou mais tarde era apanhado e levado a casa da minha avó que ansiava por ele e todos os dias o lia. A mim, lia-me aos domingos o Reizinho e o Principe Valente !

Logo que o meu pai saía, eu ficava por ali na Aguieira em casa da minha Madrinha e avó a fazer tempo que fossem aparecendo os outros miúdos  e a partir daí iríamos para os jogos de bola, para as corredeiras pela quinta, pelas mimosas, pelos penedos, fazíamos de índios e cowboys, um pouco de tudo, incluindo asneira  da grossa  como acertar com a bola num vidro de uma janela ao lado do portão largo que fazia de baliza. 

Desde que nasci o tio joão tinha um automóvel, naqueles tempos coisa muito rara, um Vauxhall preto, volante enorme e era nele que me levavam ao médico sempre que uma qualquer febre própria das muitas doenças infantis apareciam. 
Primeiro, nos anos de  cueiros era o Dr  Trajano o meu médico, depois passou a ser o Dr Esteves Correia, um amigo da família, com consultório na porta ao lado da entrada dos funcionários do BNU, o Banco onde o meu pai trabalhava.

Por vezes, a minha avó dizia-me que nesse dia iriam cozer pão, broa, e se eu quereria uma pequenina para mim. Era um miminho saboroso. Recordo quando me dizia que iam cozer e que a senhora Leopoldina, que morava mesmo em frente do lado de fora da quinta, lhe pedira para cozer também. 
Nessa altura não se tratavam as pessoas  da vizinhança por senhoras. Mesmo não sendo família, era a  “Tia”  Leopoldina, a “Tia”  Bina, ou a Bininha, A “Tia Zéza”,  e por aí fora. Em frente, morava também o "Tio" Hermínio, um bom homem que andou muito tempo por lá a trabalhar na quinta. 

E, na verdade, a Aguieira era só aquilo, sem mais personagens na minha família a não ser o meu primo Miguel que vinha por lá passar algum tempo de férias enquanto andou no seminário  e como era uns dez anos mais velho que eu e a mãe vivia em Lisboa, me ensinava  muitas coisas e era sempre motivo de enorme satisfação a sua vinda.

Do lado de fora da quinta, na Aguieira de Cima, o  alto da Aguieira, havia casas e pessoas diversas, boa gente, bons vizinhos, gente simples e muito sã.
As casas  do  lado  de fora da quinta , com excepção para a do Senhor Lopes e mais tarde a do Senhor  Barros  a quem sairam na altura seis mil contos na lotaria do Natal,  uma fortuna,  eram quase  todas feitas com muita madeira, placas de zinco, tijolo bruto,  placas de zinco  e  ardósia.
Hoje, pasmo como as pessoas aguentavam o rigor e o frio, ventos e chuvas dos invernos com aquelas condições. E dou-lhes muito mais valor.


Mais tarde  a minha pequena família na Aguieira cresceu. O meu tio João casou.
Recordo perfeitamente o dia em que nasceu a sua primeira filha, a Leninha.  Cheguei da escola e a minha avó logo correu a dar-me a noticia e a contar pormenores.  Queres ver a bébé ?   Quem é que não quereria? !

Mais tarde, outra gravidez e mais … uma menina, a Ana Maria.  E, depois, outra ainda, a Belinha. 
Recordo muito bem os dias em que todas elas nasceram, revejo-os. De algumas delas recordo mesmo  o primeiro banho, chamavam-me para ver. 
AS duas primeiras tomavam o seu banho diário  em água tépida no quarto á direita ao cimo da escadaria grande, em frente ao  quarto  então do tio Silvério.
O meu tio  e padrinho  é que já não achava graça ao facto de não nascer  um rapaz.  Afinal, a educação que tivera e o que prevalecia como cultura na época, impunham um varão, para dar continuidade “à coisa” !
E,  como quem porfia  lá acaba por alcançar, veio por fim o João Pedro.

Entretanto, o tio Silvério  que casara com  uma jovem vizinha, parede com parede,  um amor de muitos, muitos anos - sempre conheci o meu tio Silvério namorando com aquela lindíssima jovem, a minha tia Olinda -   teve também  um rebento, o Jorge Manuel, para nós o Jó. Nasceu  uns três anos antes do Pedro, o ultimo filho do tio João.

A partir daí, a Aguieira ficou muito mais movimentada e, aquilo que eu sempre tivera na memória, a imagem de eu e os meus pais, mais a minha Madrinha,  dois tios  e  o “ Mudo",  caiu por completo. Alterou-se.
E ainda bem, pois as leis  da vida  são  assim  mesmo. A conservação da espécie.

Nem sei qual a razão pela qual comecei a escrever isto. Talvez para  concluir ou demonstrar que já vivi muito e vi ainda mais do que  se poderá supor.
Está feito, escrito e demonstrado, já tenho muitas recordações e experiência de vida.  
Mas continuo jovem.


Carlos Pereira Martins

Outubro,  28. 2020


terça-feira, 20 de outubro de 2020

A BARRACA - Encontros Imaginários, de Helder Mateus da Costa - 19.Outubro.2020

 Na noite passada, ali para os lados de Santos, numa conhecida Barraca, três Artistas ás ordens de um Magnifico Autor, concretizaram um parto que se revelou muito divertido, instrutivo mesmo para conhecedores  tidos por encartados.


As  figuras históricas foram JESUS CORREIA, Campeão do Mundo de Hoquei em patins e um dos Cinco Violinos  no futebol, interpretado pelo actor Sergio Moras, J AUGUSTO ROCHA  o viseeense  advogado de presos políticos e líder estudantil da AA Coimbra interptretado pelo médico ginecologista Francisco Paiva e AMILCAR CABRAL, líder  da independência da Guiné-Bissau, interpretado por Manuel Estevão.


Foi um parto fácil, temia-se pelo  tempo de borrasca que se tinha feito anunciar, o que levou mesmo o Autor a encomendar um ginecologista encartado, daqueles que extraem com facilidade as coisas seja de onde for. É tão competente que a amigos e inimigos ajuda sempre mesmo que da tia se trate !

Apareci nos entretantos, não fui a tempo de apanhar recordações  dos preliminares nem consegui a foto no momento ideal da paridela.

O texto era, como sempre, de muita qualidade o que me continua a perguntar cá para dentro  porque será que as “autoridades” culturais”   não lhe deitam definitivamente a mão e não o mostram no seu esplendor e magnitude   ao país.

A noite passada, a BARRACA  estava com  mais beleza, com um ar que se diria sorridente. Andei à procura das razões. Afinal, tudo me pareceu igual. E eis que encontrei uma foto  que aqui também incluo e poderá bem justificar o que digo. A repetir esta ajuda na arrumação dos espectadores, Amigo Helder !

Para memória futura, como é correcto agora dizer-se, ficam algumas provas que depois de um exames de condução à maneira irão transitar em julgado.
A partir desse momento,  que é requisito, poderão os promitentes Artistas fazer gáudio delas e mostrar aos netos e bisnetos, amigos e outros assim ditos.

Que o façam com satisfação e muita saúde, é o meu desejo.

Abraço rijo e beirão, não mexe, sorri, …só mais outra agora com flash e…já está!


Carlos Pereira Martins

(Consumidor de boa cultura, coleccionador de bons Amigos.  Tenho também uns poucos para a troca, posso ceder, acontece a todos)