sexta-feira, 26 de março de 2021

Chamar-me-ão por certo pretensioso, convencido e vaidoso.

  Chamar-me-ão por certo pretensioso, convencido e vaidoso. Talvez mais coisas ainda.


Aceito que me julguem mas não será por isso que deixo de fazer alguma coisa que me possa dar prazer. Neste caso, escrever.

Tudo isso por hoje ousar brincar, falar e escrever sobre duas coisas qual delas a que requer mais aprofundamento no conhecimento, na descoberta de novas explicações para o muito que delas  se desconhece, para a compreensão, o entendimento e a explicação.

Qual delas a mais desconhecida?

Pois bem, acordei quase a dar o tiro de partida para uma corrida entre essas duas  coisas  ou mesmo realidades que nos levam a pensar em fluidos, no etéreo, no desconhecido,  no que queremos saber explicar e muito longe estaremos de o conseguir.

Por certo a alguém já lhe terá agora ocorrido um titulo de um livro, "O homem, esse desconhecido".

Sim, mas não é o homem uma dessas coisas que está prestes a partir na minha corrida que terei preparado e organizado, talvez durante a noite, em  sonhos, quase naquela fase de mais para cá do que para lá.

Um ousado, um convencido, um brincalhão ou, melhor, alguém que procura tirar prazer de onde não se suspeita que o possamos encontrar escarafunchando na diversidade  da vida. 

Gosto do termo escarafunchar tal como gosto de Paraduça, uma localidade no distrito de Viseu. Tinha no liceu um colega que era, imagine-se, de Paraduça!

A minha corrida será entre essas duas coisas tão difíceis de manejar, entre a Matemática e a Vida.

Quem chegará mais depressa ao fim, quem sairá vencedora, quem  melhor se aguentará nesta longa prova que estou apto a dar o tal tiro de partida ?

Penso nas palavras do poeta assim que pego na Vida, "este é o primeiro dia do resto da tua vida" !

E será mesmo? claro que é. E, amanhã, haverá outro primeiro dia do resto das nossas vidas, se  a Vida na corrida se aguentar. E assim sucessivamente. 

Dou um salto muito mais à frente para ver como as coisas correm e a Vida continua a dar-nos sempre mais um primeiro dia do resto das nossas vidas. Mas, encontro um momento em que deixa de haver rasto dela. Cansou? Parou? Desistiu?

Para o fim, na maioria das vezes não é necessário procurar mais ou grandes explicações. Na medicina usam por vezes como causa mortis o termo e a razão "foi uma virose". Das más, que as outras não matam  a sério. O meu já desistente e ido amigo Raul Solnado muito melhor explicaria com um "acordou morto" !

Se por uma lado corria a Vida, emparelhava nesta corrida com a Matemática.

E, a Matemática, começou o percurso lado a lado com a Vida. A Vida ia acrescentando mais um primeiro dia ao resto que dela aí viria, e a Matemática ia acrescentado mais um numero à sequência que já ia longa.

A Matemática corria com a camisola dos números naturais, Também, não compliquemos as coisas. Nada de altas matemáticas, senos, cosenos, fracções ou raizes quadradas. Era uma simples corrida com a Vida e os senos, cosenos, algoritmos, etc, não entraram nesta corrida. Mas eles estavam prontos e treinados, para o que fosse preciso.

E, se a Vida ia acrescentando mais um primeiro dia do resto dela própria, a Matemática ia, com toda a pachorra acrescentando mais um numero natural.

Dei um enorme pulo no futuro.

E, no ponto exacto onde parei, deixou de haver o primeiro dia do resto das nossas vidas!

Pelo contrário, mais um numero natural, coisa do sem fim, lá estava. E, pelo que é de crer, lá continuará sempre a estar.

Concluirão, os meus amigos, que neste caso, ganhou a Matemática.

Não sou assim tão afoito nas minhas conclusões.

Vou nomear um VAR, tenho o filme completo da corrida até ao ponto em que deixou de haver "o primeiro dia do resto da minha Vida". Vou enviar tudo para o VAR, para que decida quem possa ser o vencedor.

Não encontrei ainda pessoa adequada a essa função tão exigente.

No entanto, aceito candidaturas, ofertas, com ou sem CVs.  Eu decidirei.

Não sejam tímidos, candidatem-se, inscrevam os vossos bonitos nomes nesta página aberta a candidatos que mais não terão que ser pessoas simples e normais, como todos nós!

Vá lá, não sejam tímidos!

Abraços e saudações desportivas e de Vida vivida!

Carlos Pereira Martins

( um sério Corredor de Fundo )

quinta-feira, 25 de março de 2021

Estou a ficar com mais idade, talvez mais maduro !

 

Estou a ficar com mais idade, talvez mais maduro !

Quem de sentido de humor não seja muito abonado, terá como reacção imediata disparar-me, és é um "maduro" !  

Bom, esses revelam que quanto ao humor, tão necessário a uma sã sobrevivência, não estão ainda no ponto  requerido,  vamos portanto pedir-lhes que se cozam mais um pouco. 

Isto hoje está duro, a escrita, para que fique bem entendido.

Retrocedamos até aos anos sessenta. Se o fizerem, recordando a liturgia direi que  em memória de mim o fareis e disso, penso que não tereis arrependimentos maiores.

Naquele tempo já era usual dizer-se  em todos os sermões que "no inicio tempo existia o Verbo".

Mas, de facto, o verbo não existia, pois  este  verbo seria  "flirtar" e só uns anos mais tarde, em Portugal, com a propagação da musica dos Beatles e das festas de garagem, o verbo se tornou  usual e real.

Tinha e tenho um colega de liceu que costumava fazer um quarto de sentinela em frente ao Banco de Portugal, no Rossio, também chamado Praça da República, entre a hora do inicio da missa dominical nos Terceiros e a saída da liturgia só para ver as raparigas que iam e voltavam do Santo Sacrifício. Nome bíblico  que o meu colega e amigo, pelo sinal, e não dá para continuar com o "pelo sinal da Santa Cruz..."   tem.  O meu amigo e colega agora algarvio.

Moisés, de sua graça. 

Eu, matematicamente, todos os domingos ia com os meus pais à missa, penso que à do meio dia, nos Terceiros.

Havia uma cidadã, uma jovem cristiana, uma boa camarada, que também lá ia, com a mesma precisão com que eu o fazia.

Era dotada de um par de pernas que dava gosto ver, fazia arrepender todos os pequenos pecados ensaiados e levados à cena durante a semana.  Ver aquelas pernas fazia-se com o propósito (que promessas não se conseguiam que dessem resultados claros), de alcançar a felicidade suprema.

Eu só começava a subir a enorme escadaria dos Terceiros depois de ver que a minha domingueira vizinha já ia  alguns degraus acima. Subia eu compenetrado, arrependido perante  o divino mas  insubmisso e  decidido perante a realidade terrena. Começava a dar os primeiros passos degrau a degrau, sempre com o pensamento, e mais ainda o olhar, posto lá nas alturas. 

A suprema perfeição, a magnitude de um escultor que tal obra fez, eram a prova provada que com a Natureza não se brinca! É nossa amiga, surpreende-nos  muitas vezes e por certo  terá abençoado tal par de pernas. 

Eram umas pernas com pernas. Há pernas que são só pernas, ponto final. Mas aquelas pernas tinham mais pernas que as outras !

Sim, porque pernas todas as pessoas têm. Aquelas, eram das que todos temos mas tinham ainda e também mais um pedaço de pernas.

Nunca as vi acima de pouco mais de metade daquela parte que vai do joelho até onde as pernas deixam de se chama pernas. Mas esse pedaço era de se lhe tirar o chapéu e prova disso estava  em que todos os homens ao entrar nos Terceiros, descobriam a cabeça, tiravam os chapéus, os bonés ou os quicos, quando ela já tinha entrado.

Ficava quase sempre do lado esquerdo ao fundo da igreja, de lado. Eu escolhia uma esquina de um banco  um pouco atrás e era como se nos cumprimentássemos quando chegávamos, embora formalmente não nos conhecêssemos. 

Por isso, porque o verbo ainda não existia, não flirtávamos nessas presenças  liturgicas dominicais. Mas teremos sido os precursores, embora sem o saber. O sumo, estava lá todo. Só não existia nessa altura o verbo.

Razão tem o Fernando Tordo  quando o oiço cantar "Foi o dia mais lindo..." !

No meu entender, foram as pernas mais lindas... e não as vi todas...!

Hoje em dia há o hábito de comemorar  Dias Mundias ou Europeus de "Tudo e Mais Alguma Coisa".

Se fosse nesses tempos haveria um Dia Mundial, Universal, daquele Pedaço de Pernas ! Ou ainda o poderá haver se elas continuarem a ser como eram.

Receio por isso. Se existirem, essas, sim, deverão estar já maduras demais.

E mais não digo pois o salário mínimo nacional não me permite alongar mais. Fiquem com isto, seus MADUROS!

E mais, isto, à borla:  "o melhor da vida" , dizem os que pouco sabem e estão sempre prontos a disparar  frases dogmáticas para dar a ideia parva que muito sabem,  "vem com o cair da folha" !

Mas estão, por serem uns grandes maduros, redondamente enganados. 

Quem me dera ter a idade e  competências que nesses tempos tinha  e estar aqui hoje!

Calos Pereira Martins

(Um Homem maduro na Cidade )




sábado, 20 de março de 2021

Nas minhas horas de confinamento .

 

Este é um tempo para estar em casa.
Este é um tempo para estar triste, longe dos amigos, a apanhar o pouco sol que em atitude amiga nos entra pelas janelas.
este é um tempo de tudo isso, que lamentamos mas que  cumprimos pois que não se vê outro caminho que nos leve ao tempo antigo.
Este, apesar dos pesares, é um tempo de Esperança que nos aquece os corações.

Recordo frequentemente o que vou ouvindo cantar ao Sérgio:
"E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida “

Nas palavras do Sérgio, mora com muita força a esperança, de dias melhores.

Mas elas não evitam o que se vai diariamente sentindo e que, se mudo de disco, tão bem o  José Mário Branco  descreve.


"Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda 

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei  “

É que, se há coisa que é mesmo certa, é que de tudo isto, das causas, dos efeitos, dos entretanto e dos finalmente, ninguém sabe mesmo o que quer que seja com precisão. Pelo menos com aquela certeza que se tornaria indispensável para daqui sairmos com brevidade.

E leva-nos a adoptar  uma  postura que  já há tantos anos o Chico Buarque  nos relembra que é uma atitude possivel e frequente nestas circunstancias:  


"Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido  "


Quem me dera poder dizer, antes  que o tempo o faça tarde, o que Vinicius de Morais  tão claramente escreveu:

"Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos  "

E, a este virus, a estes inimigos sem rosto, gritar-lhes as palavras de Zeca Afonso:

"Venham mais cinco, duma assentada que eu pago já
Do branco ao tinto, se o velho estica eu fico por cá
Se tem má pinta, dá-lhe um apito e põe-no para andar
De espada na cinta, já crê que é rei de quem e além-mar

Não me obriguem a vir para a rua
Gritar “  !


E, a vós, amigos meus,  peço-vos que tenham presente que  quem em  ideais não acredite, por pouco que seja, por certo não vai disto poder  dizer que saiu e venceu.
É que, como António Gedeão escreveu e o Manuel Freire tão bem canta :

"Eles não sabem que o sonho
É uma constante da vida
Tão concreta e definida
Como outra coisa qualquer

Como esta pedra cinzenta
Em que me sento e descanso
Como este ribeiro manso
Em serenos sobressaltos”

É isso, juntos, fazemos muito mais sentido, é o que se pode concluir  deste exemplo que aqui vos deixo. Destes nossos Amigos, juntos.
Passem bem, cuidem-se e prestem atenção às palavras. As musicas, as melodias, são lindas, mas as palavras dão alma à alma!

Com muita amizade e fraternidade.
Carlos Pereira Martins

segunda-feira, 15 de março de 2021

HOJE É O DIA DO POSTIGO !

 


HOJE É O DIA DO POSTIGO !

 Já depois de ter publicado este texto, coração amigo me lembrou da existência de outros postigos.
E não tardou que me viessem à memória postigos  passados que nunca mais todos aqueles que os tiveram que ver da alvorada ao pôr do sol, anos a fio, como castigo por desejarem e lutarem pela liberdade e pela democracia, por melhores condições de vida, educação, melhor repartição do que o trabalho produzia, pelo fim de guerras coloniais injustas e sem sentido, que não era apenas  para sí próprios, seria para todos. 
Pois também neste caso, tudo tem duas faces, como qualquer medalha. 
Esta é a face dos postigos do Aljube, de Peniche, do Tarrafal e de quaisquer outras masmorras. 
Esta é uma foto de um postigo real, do Aljube, que mão amiga me enviou.
Assim, o meu texto que era apenas de humor, fica com duas faces também. Esta primeira é séria e aterrorizadora. 
A outra face que a seguir mantenho, é aquela para fazer rir um pouco, para fazer bem ao espírito, como qualquer paracetamol hoje em dia se aconselha.


                                      Porta de cela e postigo - Aljube, Lisboa


Gosto muito do termo postigo !

Há muitos anos, a maioria das casas tinham nas portas uma pequena portinhola por onde se espreitava para ver quem vinha e se perguntava ao que vinha, o postigo.

Depois, tudo se modernizou e o postigo deu lugar aqueles pequenos orifícios, incrustados, o chamado óculo por onde se podia ver discretamente quem estava à porta e até, caso não fosse conveniente, fazer de conta que ninguém estava em casa.

Mais tarde, quase se generalizaram os  video-porteiros, que permitem ver imagem e ter som, comunicar. E aí virão dentro em breve aparelhos que permitirão tocar, apalpar e ter a certeza de quem se trata. Não seja um mascarado a fazer de conta que é um conhecido qualquer.

Entramos hoje numa nova etapa do confinamento e, de hoje em diante, tudo se pode fazer "AO POSTIGO" .

Gosto mesmo da palavra e daquelas recordações.

claro que bem cedo, ia eu para Santos, para a Barraca dar uma ajuda informática ao amigo Hélder Costa e ...zás, ...! dou com a já também amiga  Storiadora, ali ao cimo do arque Eduardo VII.

Que sim, que está contente e a partir de hoje vai passar também a trabalhar ao postigo. Como todos.

Isto do postigo é coisa já muito batida no estrangeiro, cá é que não era ainda utilizado na economia.

Chamam-lhe eles, lá fora, na estranja,  o GLORY HOLE ! Postigo, pois claro.


Quem não souber ou não esteja familiarizado com o termo inglês, aconselho que vá ao google, à internet, escreva Glory Hole e vai ficar a saber tudo, tudo, tudo! Vão ver.

É um buraquinho ou vários, na parede do escritório de trabalho  onde aparecem passarinhos ou passarinhas. O cliente, promitente comprador e utilizador, escolhe aquele de que mais gostar, serve-se e toca a andar.

Com a vantagem de se servir e ser servido sem ver o vendedor e sem que o vendedor lhe veja a cara.

Em Portugal, podemos  deixar ficar para a história que foi Antonio Costa e o seu Governo, quem introduziu de novo na economia o velho e esquecido postigo.

Agora, tudo vai funcionar mesmo "ao postigo" !

Lá fora, o postigo não tem pai, ou fundador, ou inventor, faz parte da  industria também chamada  " a mais velha profissão do mundo !" 

A Storiadora estava delirante, que agora é que o negócio irá render.

Eu, como economista que sou, deixo apenas esta ingénua pergunta: ser que a economia portuguesa e, em particular, o comércio, se irão transformar numa imensa rede de bordeis?

Mas, claro, Viva o Postigo !

Carlos Pereira Martins

( Cidadão fascinado pela cusquice de espreitar ao Postigo )

 


domingo, 14 de março de 2021

O SINAL

 

O SINAL
Ia já eu a sair da garagem, em movimento, e a vizinha do 10º Frente tinha acabado de chegar e saía do carro. Reparei que me fez um sinal que não entendi o que significava. Disse-lhe adeus agitando a mão e voltou a fazer-me, com um lindo sorriso, o mesmo sinal.
Saí, fui ás minhas voltas, voltei, almocei e passei pelas brasas, melhor, acabei por cabecear uns minutos enquanto estava sentado em frente a este computador. Nem faço ao certo a ideia de quanto tempo passou.
A meio da tarde ouvi o elevador subir e pelo andamento, terá parado no 10º piso.
Voltou-me à ideia o sinal que a senhora me tinha feito nessa manhã. É que não era certamente só um sinal.
Um simples sinal, que não traga um “attachement” acoplado, não se faz assim. Cismei, cismei, e cada vez, qual Sherlock Holmes ou Miss Marley, sentia que queria descobrir tudo sobre aquela tão estranha forma de se me dirigir.
Sou bom rapaz, talvez, dado o tempo em que nasci, um pouco tímido até.
Mas, a casca é fina e por vezes torna-se muito fácil dela sair.
Assim aconteceu.
Troquei de sapatos e de calças, o que trazia era por demais casual, o chamado casual de trazer por casa, e avancei escada acima, conforme recomenda o Dr. Fernando Pádua. Subir faz bem ao coração, ás articulações e à saúde em geral. Descer pelas escadas, não acrescenta nada a não ser o risco de uma queda.
Em menos de um piscar de olho, estava eu no 10º andar. Dei um aperto na campainha do F que significa mesmo Frente.
Esperei, os movimentos foram primeiramente mais audíveis, depois permaneceu um silêncio, ao mesmo tempo que eu já me arrependia de ter subido as escadas. E agora, que lhe iria eu dizer? Estou lixado!
Senti-me com sorte por a porta não se abrir e ia já em direcção ao primeiro degrau quando o barulho da chave me indicava que o melhor seria não ir embora.
Cumprimentos, um certo embaraço de parte a parte, senti quase o que já não sentia há muitos anos, o não saber onde colocar e como colocar as mãos.
Pronto, já dei bronca, ora esta, que maluquice em que me havia de meter…!
Mas, como um grande petroleiro ou navio de carga, uma vez em andamento, quase não se pode parar, pelo menos a tempo de evitar o inevitável, a bronca.
Fui convidado a entrar e com aquele rosto roborizado e um sorriso tão agradável, não havia como recusar.
A Senhora estava sozinha, o filho ainda estaria para chegar com o avô, passava o dia em casa da avó, o marido trabalhava até muito tarde, mesmo em tempos de confinamento, passava o dia de volta dos papeis no seu escritório fechado na Duque de Loulé.
Formalmente, não estava lá.
Bom, fui directo ao assunto. Sabe, vi-a fazer-me um sinal esta manhã na garagem. Pode parecer-lhe tolice mas não o entendi e mais, fiquei até com receio que pudesse ser um pedido de ajuda, uma advertência…sei lá o quê. Não percebi, foi estranho para mim e resolvi agora, quando a senti de volta, vir saber o que realmente queria dizer e se precisa de alguma coisa da minha parte.
É muito simpático, mas não valia a pena ter-se incomodado pelo meu sinal, olhe, quase me saiu também sem querer ou sem pensar.
Mas, afinal, explique-me lá, se faz o favor, o que queria dizer-me com aquele estranho sinal.
Pois, era mesmo isso, queria só que o visse, se não lhe fosse dar muita maçada, muito incómodo.
Pronto, descanse, não incomoda nada…!
E, quase de pronto, a Senhora começou a descer uma meia, depois as duas, eram collants, sentada ainda, puxou pelas pontas que cobrem os dedões dos pés.
Eu, cada vez estava mais confuso e mesmo atrapalhado. É que já tenho sessenta e tal anos. E ela é uma jovem de uns quarenta e tal e nestas idades as diferenças fazem-se sentir e de que maneira.
Se ao menos me tivesse avisado ao que iria, se me desse um tempinho…hoje em dia tudo se consegue mas o tempo é ainda fundamental. Assim como o é a crença natural, já o sabia.
No Ribatejo diz-se que um forcado pode já não ter idade para ir à arena, mas nunca despe a jaqueta!
Assinalo a devida diferença, não estava em presença de um touro ou uma vaca nem nunca eu desci à praça para aquelas lides.
Comecei a sentir afastar-se e muito velozmente, o arrependimento de ali ter vindo. Afinal, viesse o que viesse, estava a ser tremendamente agradável, para não dizer mais.
Isto já vai indo longo, vamos lá aos finalmentes.
Já sem meias, arregaçou a saia e ia mostrar-me qualquer coisa. não dava. Abriu então o fecho lateral e deixou-a cair. Aí, pensei, está claro. Desta, ou já não sais ou nem entras, se tiveres azar.
Começou então a pedir-me cada vez mais desculpas e que se sentia muito, muitíssimo envergonhada. Mas que não tinha nem querido que o marido sonhasse, iria ficar para morrer se desconfiasse de uma coisa tão grave como ela acreditava que poderia vir a ser.
Senti um calafrio. O marido é um calmeirão que bem pode partir-me o resto do esqueleto que ainda ficou inteiro em Agosto último…!
E com razão.
Já só em cuequinha de seda, branca e folheada, vi bem até os entrefolhos, claro, apontou-me para um m sinal negro ao lado de uma virilha, mais para dentro, até, do que para fora. Esteticamente até se tornava delicioso, a meu ver. E vi muito bem!
Queria que eu a examinasse e lhe desse um conselho, ir fazer um exame, passar lá no meu consultório…?!
E nessa altura esclareceu-me: “Não entendeu o meu sinal? O sinal queria dizer-lhe se me poderia ver o sinal ! “.
Caramba, no prédio tratam-me por doutor e sabem que tenho um canudo. Mas esta Jovem Senhora pensava que eu era realmente um doutor médico.
Para dizer a verdade, conforme ali estava a constatar, ela só pensou e deu atenção ao doutor, ao canudo, pelos vistos, nunca, pelo que eu tinha e tenho, estava-se nas tintas.
Esclareci prontamente a situação. Sou economista, de medicina e muito menos de dermatologia nada percebo.
Mas já vivi muito, já vi muita coisa e muitos sinais e, mesmo sem exames, quase que lhe posso garantir que não tem nada demais. Também eu tenho alguns desses e estou vivo, passeando-os e dando-lhes duches todos os dias há muitos anos!
Fica-lhe muito bem e ainda mais lhe digo, sempre que me queira mostar de novo, só para verificar se houve evolução, faça-me outro sinal igual na garagem e já sabe que lhe virei com brevidade bater à porta.
Assim haja oportunidade.
As profissões são todas muito diferentes, cada uma com as suas especificidades, como as suas Ordens Profissionais.
Mas podem concorrer, todas, para um fim comum. Por aqui se viu.
Então, …, até uma próxima!
Passem bem, se fazem o favor.
Carlos Pereira Martins
(Um Homem na Cidade !)

sábado, 13 de março de 2021

Capítulo 3 - A Storiadora, o Jardim da Amália e quando um homem se põe a pensar. Ou, como sempre foi fácil cair na brejeirice, com humor.

 

Sábado, hoje, logo muito cedo.

Esperava que o supermercado do Corte Inglês abrisse as portas e deixei-me ficar dentro do carro a ouvir  banalidades e algumas bacorejes na rádio. Só para passar tempo. às tantas, fartei-me mesmo e mudei para a Antena 2, só musica e boa.


Dei por mim a descobrir que as letradas canções, ao contrário do que possa parecer, não se colhem das arvores nem delas caem de maduras e é só apanhar para o regaço e juntar-lhes musica.

Nada disso, são feitas, trabalhadas e sempre com muito sentido. Por isso mesmo me detive naquelas palavras : "quando um homem se põe a pensar" ! 

Zeca Afonso, claro, sempre com muito significado, sejam muitas ou uma única palavra.

Pois é, quando um homem se põe a pensar, quase sempre, a coisa vai longe.

Quando um homem se põe a pensar, é como uma mola, sobe e desce, estica e encolhe, geralmente, pensando muito, incha mesmo.

Ora, pensava eu na senhora com escritórios permanentes ali no topo do Parque Eduardo VII, a tal Storiadora que ainda ontem me falava que se estava a especializar num período  muito rico para a história de Portugal mas sempre cada vez com mais história para fazer. diria ela que era a época das "Descobriduras"  feitas pelos portugueses. Talvez tenha razão, não posso duvidar de uma especialista, Mestrada e Doutorada naquelas andanças.

Mas, quando um homem se põe a pensar, neste caso, logo de seguida, neste caso, começa a trautear a canção do Zeca.

Depois, os pensamentos sobem e descem, tendem a inchar e demoram a voltar ao normal, e outras dúvidas se lhe juntam, por acréscimo, por contágio, agora para condizer com o período de pandemia.

"Veio-me à memória", as palavras são de outra grande canção e autor mas aplicam-se aqui perfeitamente, que a Storiadora nunca me falou no marido. Será ela solteirona, casada, divorciada ou até viúva?

Fui ás minhas compras, gozei cada produto como se este fosse mesmo o "primeiro dia do resto da minha vida" e lá me vim. Embora, claro. 

Saído aos rodopios pela rampa dos vários pisos do estacionamento do El Corte Inglês,  atalhei ali pelo cimo do Parque Eduardo VII, parei compassivamente e sabia que aquela seria já a hora da Storiadora iniciar o seu expediente do dia, horário de trabalho cumpre-se em todas as profissões.

Nota: Já vos avisei que nem tudo o que escrevo é verdade. Aqui ficou um bom exemplo!

Continuando.

Ao fundo, do lado do lago do jardim, começa a aparecer a silhueta da Storiadora. O coração começou a saltar ainda mais, tornou-se já isto numa monomania, e o sentimento começara também a elevar-se, não ao Senhor mas condizendo com a elevação da escultura do saudosos João Cutileiro que ali permanece a significar que os Capitães de Abril foram homens completos!

Chegou perto de mim, fez questão de se sentar e, foi então, que tive uma primeira resposta para aquela minha dúvida de que acima falei.

Contou-me que hoje e no fim de semana emprestara o cão a uma amiga que o mima nesses dias, o lava, trata o melhor que sabe e ela fica com mais tempo para se dedicar ao trabalho de Storiadora.

Descarado como costumo ser, não sou, essa é a verdade, mas faço-me descarado só para ver como me saio, muitas vezes, fui avançando por longe, aproximando a conversa e, muito naturalmente deixei-lhe cair a pergunta directa. Se era solteira ou tinha um companheiro, etc e tal.

Mas eu já sabia, é viúva.  E a Storiadora confirmou-me isso mesmo. Sempre muito dedicada ás memórias do marido que passou à condição de defunto ainda muito novo, sempre pesarosa mas  " a vida tem que continuar, não é? Por muito que nos custe" !

Perguntar-me-ão, eu já sabia, como? Quem me disse, ou adivinhei?

Vi.

Vi quando a Storiadora se ia a sentar, hoje, logo cedo pela manhã, à hora de abertura, na melhor das intenções da palavra usada, do seu expediente.

Ora vejam. Se bem que exteriormente o vermelho do baton possa até  enganar e convencer-nos que seja uma vampirizais, uma depravada e não uma Storiadora viúva, lá no fundo, bem no fundo, no seu mais intimo, o luto está lá. Se lá está, logo existe. 

Reparem na foto que um bom fotografo como eu sou, rápido, atento e sem dar nas vistas fez. O repórter estava lá.

Não liguem  ao aspecto exterior, ao baton ou maquilhagem. Fixem-se no mais intimo.

Verão que é preta a lingerie. O luto lá está.

E, o algodão, a seda ou mesmo o  linho, não enganam.

Aquilo é sinal de marido morrido e já bem  morrido há tempos.

Foi mais um capítulo desta saga que não é uma guerra e de estrelas só tem uma, eu mesmo.

Bom fim‑de‑semana, que também se abrevia bfs e em abreviaturas  fdp é outra coisa,  muito diferente.


Carlos Pereira Martins

(Cidadão lisboeta com toda a maldade nascida e criada na Beira Alta)