domingo, 14 de março de 2021

O SINAL

 

O SINAL
Ia já eu a sair da garagem, em movimento, e a vizinha do 10º Frente tinha acabado de chegar e saía do carro. Reparei que me fez um sinal que não entendi o que significava. Disse-lhe adeus agitando a mão e voltou a fazer-me, com um lindo sorriso, o mesmo sinal.
Saí, fui ás minhas voltas, voltei, almocei e passei pelas brasas, melhor, acabei por cabecear uns minutos enquanto estava sentado em frente a este computador. Nem faço ao certo a ideia de quanto tempo passou.
A meio da tarde ouvi o elevador subir e pelo andamento, terá parado no 10º piso.
Voltou-me à ideia o sinal que a senhora me tinha feito nessa manhã. É que não era certamente só um sinal.
Um simples sinal, que não traga um “attachement” acoplado, não se faz assim. Cismei, cismei, e cada vez, qual Sherlock Holmes ou Miss Marley, sentia que queria descobrir tudo sobre aquela tão estranha forma de se me dirigir.
Sou bom rapaz, talvez, dado o tempo em que nasci, um pouco tímido até.
Mas, a casca é fina e por vezes torna-se muito fácil dela sair.
Assim aconteceu.
Troquei de sapatos e de calças, o que trazia era por demais casual, o chamado casual de trazer por casa, e avancei escada acima, conforme recomenda o Dr. Fernando Pádua. Subir faz bem ao coração, ás articulações e à saúde em geral. Descer pelas escadas, não acrescenta nada a não ser o risco de uma queda.
Em menos de um piscar de olho, estava eu no 10º andar. Dei um aperto na campainha do F que significa mesmo Frente.
Esperei, os movimentos foram primeiramente mais audíveis, depois permaneceu um silêncio, ao mesmo tempo que eu já me arrependia de ter subido as escadas. E agora, que lhe iria eu dizer? Estou lixado!
Senti-me com sorte por a porta não se abrir e ia já em direcção ao primeiro degrau quando o barulho da chave me indicava que o melhor seria não ir embora.
Cumprimentos, um certo embaraço de parte a parte, senti quase o que já não sentia há muitos anos, o não saber onde colocar e como colocar as mãos.
Pronto, já dei bronca, ora esta, que maluquice em que me havia de meter…!
Mas, como um grande petroleiro ou navio de carga, uma vez em andamento, quase não se pode parar, pelo menos a tempo de evitar o inevitável, a bronca.
Fui convidado a entrar e com aquele rosto roborizado e um sorriso tão agradável, não havia como recusar.
A Senhora estava sozinha, o filho ainda estaria para chegar com o avô, passava o dia em casa da avó, o marido trabalhava até muito tarde, mesmo em tempos de confinamento, passava o dia de volta dos papeis no seu escritório fechado na Duque de Loulé.
Formalmente, não estava lá.
Bom, fui directo ao assunto. Sabe, vi-a fazer-me um sinal esta manhã na garagem. Pode parecer-lhe tolice mas não o entendi e mais, fiquei até com receio que pudesse ser um pedido de ajuda, uma advertência…sei lá o quê. Não percebi, foi estranho para mim e resolvi agora, quando a senti de volta, vir saber o que realmente queria dizer e se precisa de alguma coisa da minha parte.
É muito simpático, mas não valia a pena ter-se incomodado pelo meu sinal, olhe, quase me saiu também sem querer ou sem pensar.
Mas, afinal, explique-me lá, se faz o favor, o que queria dizer-me com aquele estranho sinal.
Pois, era mesmo isso, queria só que o visse, se não lhe fosse dar muita maçada, muito incómodo.
Pronto, descanse, não incomoda nada…!
E, quase de pronto, a Senhora começou a descer uma meia, depois as duas, eram collants, sentada ainda, puxou pelas pontas que cobrem os dedões dos pés.
Eu, cada vez estava mais confuso e mesmo atrapalhado. É que já tenho sessenta e tal anos. E ela é uma jovem de uns quarenta e tal e nestas idades as diferenças fazem-se sentir e de que maneira.
Se ao menos me tivesse avisado ao que iria, se me desse um tempinho…hoje em dia tudo se consegue mas o tempo é ainda fundamental. Assim como o é a crença natural, já o sabia.
No Ribatejo diz-se que um forcado pode já não ter idade para ir à arena, mas nunca despe a jaqueta!
Assinalo a devida diferença, não estava em presença de um touro ou uma vaca nem nunca eu desci à praça para aquelas lides.
Comecei a sentir afastar-se e muito velozmente, o arrependimento de ali ter vindo. Afinal, viesse o que viesse, estava a ser tremendamente agradável, para não dizer mais.
Isto já vai indo longo, vamos lá aos finalmentes.
Já sem meias, arregaçou a saia e ia mostrar-me qualquer coisa. não dava. Abriu então o fecho lateral e deixou-a cair. Aí, pensei, está claro. Desta, ou já não sais ou nem entras, se tiveres azar.
Começou então a pedir-me cada vez mais desculpas e que se sentia muito, muitíssimo envergonhada. Mas que não tinha nem querido que o marido sonhasse, iria ficar para morrer se desconfiasse de uma coisa tão grave como ela acreditava que poderia vir a ser.
Senti um calafrio. O marido é um calmeirão que bem pode partir-me o resto do esqueleto que ainda ficou inteiro em Agosto último…!
E com razão.
Já só em cuequinha de seda, branca e folheada, vi bem até os entrefolhos, claro, apontou-me para um m sinal negro ao lado de uma virilha, mais para dentro, até, do que para fora. Esteticamente até se tornava delicioso, a meu ver. E vi muito bem!
Queria que eu a examinasse e lhe desse um conselho, ir fazer um exame, passar lá no meu consultório…?!
E nessa altura esclareceu-me: “Não entendeu o meu sinal? O sinal queria dizer-lhe se me poderia ver o sinal ! “.
Caramba, no prédio tratam-me por doutor e sabem que tenho um canudo. Mas esta Jovem Senhora pensava que eu era realmente um doutor médico.
Para dizer a verdade, conforme ali estava a constatar, ela só pensou e deu atenção ao doutor, ao canudo, pelos vistos, nunca, pelo que eu tinha e tenho, estava-se nas tintas.
Esclareci prontamente a situação. Sou economista, de medicina e muito menos de dermatologia nada percebo.
Mas já vivi muito, já vi muita coisa e muitos sinais e, mesmo sem exames, quase que lhe posso garantir que não tem nada demais. Também eu tenho alguns desses e estou vivo, passeando-os e dando-lhes duches todos os dias há muitos anos!
Fica-lhe muito bem e ainda mais lhe digo, sempre que me queira mostar de novo, só para verificar se houve evolução, faça-me outro sinal igual na garagem e já sabe que lhe virei com brevidade bater à porta.
Assim haja oportunidade.
As profissões são todas muito diferentes, cada uma com as suas especificidades, como as suas Ordens Profissionais.
Mas podem concorrer, todas, para um fim comum. Por aqui se viu.
Então, …, até uma próxima!
Passem bem, se fazem o favor.
Carlos Pereira Martins
(Um Homem na Cidade !)

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