sábado, 13 de março de 2021

Capítulo 3 - A Storiadora, o Jardim da Amália e quando um homem se põe a pensar. Ou, como sempre foi fácil cair na brejeirice, com humor.

 

Sábado, hoje, logo muito cedo.

Esperava que o supermercado do Corte Inglês abrisse as portas e deixei-me ficar dentro do carro a ouvir  banalidades e algumas bacorejes na rádio. Só para passar tempo. às tantas, fartei-me mesmo e mudei para a Antena 2, só musica e boa.


Dei por mim a descobrir que as letradas canções, ao contrário do que possa parecer, não se colhem das arvores nem delas caem de maduras e é só apanhar para o regaço e juntar-lhes musica.

Nada disso, são feitas, trabalhadas e sempre com muito sentido. Por isso mesmo me detive naquelas palavras : "quando um homem se põe a pensar" ! 

Zeca Afonso, claro, sempre com muito significado, sejam muitas ou uma única palavra.

Pois é, quando um homem se põe a pensar, quase sempre, a coisa vai longe.

Quando um homem se põe a pensar, é como uma mola, sobe e desce, estica e encolhe, geralmente, pensando muito, incha mesmo.

Ora, pensava eu na senhora com escritórios permanentes ali no topo do Parque Eduardo VII, a tal Storiadora que ainda ontem me falava que se estava a especializar num período  muito rico para a história de Portugal mas sempre cada vez com mais história para fazer. diria ela que era a época das "Descobriduras"  feitas pelos portugueses. Talvez tenha razão, não posso duvidar de uma especialista, Mestrada e Doutorada naquelas andanças.

Mas, quando um homem se põe a pensar, neste caso, logo de seguida, neste caso, começa a trautear a canção do Zeca.

Depois, os pensamentos sobem e descem, tendem a inchar e demoram a voltar ao normal, e outras dúvidas se lhe juntam, por acréscimo, por contágio, agora para condizer com o período de pandemia.

"Veio-me à memória", as palavras são de outra grande canção e autor mas aplicam-se aqui perfeitamente, que a Storiadora nunca me falou no marido. Será ela solteirona, casada, divorciada ou até viúva?

Fui ás minhas compras, gozei cada produto como se este fosse mesmo o "primeiro dia do resto da minha vida" e lá me vim. Embora, claro. 

Saído aos rodopios pela rampa dos vários pisos do estacionamento do El Corte Inglês,  atalhei ali pelo cimo do Parque Eduardo VII, parei compassivamente e sabia que aquela seria já a hora da Storiadora iniciar o seu expediente do dia, horário de trabalho cumpre-se em todas as profissões.

Nota: Já vos avisei que nem tudo o que escrevo é verdade. Aqui ficou um bom exemplo!

Continuando.

Ao fundo, do lado do lago do jardim, começa a aparecer a silhueta da Storiadora. O coração começou a saltar ainda mais, tornou-se já isto numa monomania, e o sentimento começara também a elevar-se, não ao Senhor mas condizendo com a elevação da escultura do saudosos João Cutileiro que ali permanece a significar que os Capitães de Abril foram homens completos!

Chegou perto de mim, fez questão de se sentar e, foi então, que tive uma primeira resposta para aquela minha dúvida de que acima falei.

Contou-me que hoje e no fim de semana emprestara o cão a uma amiga que o mima nesses dias, o lava, trata o melhor que sabe e ela fica com mais tempo para se dedicar ao trabalho de Storiadora.

Descarado como costumo ser, não sou, essa é a verdade, mas faço-me descarado só para ver como me saio, muitas vezes, fui avançando por longe, aproximando a conversa e, muito naturalmente deixei-lhe cair a pergunta directa. Se era solteira ou tinha um companheiro, etc e tal.

Mas eu já sabia, é viúva.  E a Storiadora confirmou-me isso mesmo. Sempre muito dedicada ás memórias do marido que passou à condição de defunto ainda muito novo, sempre pesarosa mas  " a vida tem que continuar, não é? Por muito que nos custe" !

Perguntar-me-ão, eu já sabia, como? Quem me disse, ou adivinhei?

Vi.

Vi quando a Storiadora se ia a sentar, hoje, logo cedo pela manhã, à hora de abertura, na melhor das intenções da palavra usada, do seu expediente.

Ora vejam. Se bem que exteriormente o vermelho do baton possa até  enganar e convencer-nos que seja uma vampirizais, uma depravada e não uma Storiadora viúva, lá no fundo, bem no fundo, no seu mais intimo, o luto está lá. Se lá está, logo existe. 

Reparem na foto que um bom fotografo como eu sou, rápido, atento e sem dar nas vistas fez. O repórter estava lá.

Não liguem  ao aspecto exterior, ao baton ou maquilhagem. Fixem-se no mais intimo.

Verão que é preta a lingerie. O luto lá está.

E, o algodão, a seda ou mesmo o  linho, não enganam.

Aquilo é sinal de marido morrido e já bem  morrido há tempos.

Foi mais um capítulo desta saga que não é uma guerra e de estrelas só tem uma, eu mesmo.

Bom fim‑de‑semana, que também se abrevia bfs e em abreviaturas  fdp é outra coisa,  muito diferente.


Carlos Pereira Martins

(Cidadão lisboeta com toda a maldade nascida e criada na Beira Alta)





Sem comentários:

Enviar um comentário