terça-feira, 16 de junho de 2020

Há muito, muito tempo que não via um céu tão grande !



Há muito, muito tempo que não via um céu tão grande !

Sim, parece-me estranho mas este céu que hoje me cobre é enorme, nunca o tinha visto tão grande.
Será a luminosidade nas nuvens, este faz que faz sol e faz que vem chuva, faz que irá trovejar, mas não sai disto.

Sentado no jardim, cadeira colocada estratégicamente  no meio da carreira calcetada, por onde passo com o carro quando chego e saio, daqui tenho uma visão completa do jardim e do céu, as duas coisas que mais me importam neste preciso momento.

Para aqui vim com um livro, para ler. A esta hora da tarde é o que tantas vezes mais apetece e estou de livros bem munido, ou não tivesse um amigo editor de tudo o que vale a pena dar a ler a quem da leitura tira prazer.

Mas logo passado pouco tempo, desde que comecei a ler, os olhos se me desviavam das letras, ao cérebro não chegava quase nada do que os olhos liam, uma confusão danada de sentidos e sensações. Ora era um chilrear de um pássaro, ora o assobio de um melro, logo após meia dúzia de rolas que resolveram literalmente aterrar ali na terra lavrada atrás de mim, as flores...
Ah, as flores  comem-me a vista, subtraem-me a visão do que eu deveria estar a ver, as linhas das páginas do livro.
Ora se me atravessam as rosas, tantas roseiras com rosas abertas, em botão ou no quase  em flor, umas vermelhas, outras amarelas, outras cor delas mesmas que é o rosa rosado das rosas mais lindas que conheço e que são estas do jardim que foi de minha mãe, o jardim da Aguieira.

E as hortênsias? Ninguém imagina como é a cor destas hortênsias. Penso que esta terra deverá ter muito ferro e, assim, ou por causa disso, elas são de um azul que só o sinto tão bonito nas camisolas do meu clube de Belém.

Mas para lá de tudo isto, chega também o zunir de uma serra eléctrica que deve andar a devastar arvores ali para os lados do pinhal do Monte Salvado. Poderia ir ali acima à varanda e tirar tudo  a limpo mas nem valerá a pena pois lembro-me agora que andarão ainda a fazer limpezas obrigatórias, atrasadas pelo confinamento, de tudo o que fica nas bordas da avenida nova que por aqui fizeram.
Sim, repito e esclareço, junto ás bermas, no caso aos passeios e aos relvados que vão para lá do empedrado da faixa de rodagem da avenida nova. Mas que me perdoem, gosto muito mais de dizer e escrever das bordas. Afinal, a palavra é bem portuguesa, usa-se e está no dicionário. Se o som ou as associações me são caras, estou como o americano, why not, ou como por cá dizemos, e  porque não?

Depois são os pardais que parecem estar sempre apostados em fazer-me distrair do livro.
Com tudo isto, tudo muito junto e misturado, sou obrigado a meditar na sorte sortuda que alguém como eu tem em poder desfrutar de semelhante ambiente e horas de recolhimento.
Desfrutar é palavra que também se passou a usar muito desde que os treinadores de futebol a incluíram nas sessões de treino diárias das suas equipas. Treinos de comunicação preparatórios das inevitáveis conferências de imprensa após cada jogo, como diz o inglês e passou a dizer cada "expert" português nas artes do futebol, cada "match".

Em todas essas ditas conferências "Pós Match", os jogadores dizem, invariavelmente, tenham ganho ou perdido,  que agora o que é preciso é desfrutar e preparar a sério o próximo jogo.

O Chico Buarque, de  quem o livro que eu estava a ler  saiu de dias e dias de trabalho e prazer de escrita, diria preparar o próximo jogo "como se fosse o último"!

Já lhe tomei o sentido e há tempos que procuro fazer quase tudo como se fosse ...a ultima vez.
E asseguro que se disfruta imenso !

Voltando à minha constatação inicial, o céu que hoje me cobre, é enorme, nunca por nunca vi um com esta imensidão.
Estou intrigado. Será que o céu precisará nestes tempos de dar cobertura a muito mais gente, mais seres?
Sim porque não se tratará apenas de pessoas.
Então, e o céu dos pardais?
Ah... há quem se ria? Não, isto é mesmo a sério.
Então, se o Grande Regulador do Universo, uma espécie de Governador do Banco de Portugal, que em vez de regular só a Banca regula todas as Bancas , tudo e todos não só na Terra mas em todos os planetas, sois e mesmo buracos negros, todo o Universo , se Ele for de facto justo, universal, fraterno, que tudo saiba mas pouco se descaia connosco, que ame a todos e tudo por igual, também terá que ter uma secção lá no infinito dos Céus, para os pardais e todos os bichinhos e bicharoucos.
Como canta o Vitorino, melros, rouxinóis, pássaros, passarinhos, milharoucos, codornizes  e outros que tais.

Agora que já me livrei da desconcentrarão, vou voltar ao livro do Chico Buarque que até foi Prémio Pessoa e vou tentar lê-lo, desta vez, como se fosse a ultima. Tal qual como ele diz que foi a forma como amou quem ele canta.
E se é verdade que eu não canto, talvez me  sinta  a amar.

Carlos Pereira Martins
( cidadão na sorna no seu jardim da Quinta da Aguieira)







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