sexta-feira, 6 de março de 2020

"Eu, ontem, vi a sua picha no jornal" !


Há dois dias, a convite do meu amigo editor, e, neste caso, amigo não necessita ser escrito com maiúsculas ou dar ao grafismo qualquer destaque já que a palavra encerra em si tudo, mas mesmo absolutamente tudo  o que ela  tem para significar,  fui assistir a uma apresentação  de mais um livro, no caso, as "Memórias diplomaticamente (in)corretas" do Embaixador Francisco Henriques da Silva. Teve lugar lá na Baixa, no Palácio da Independência, junto ao Teatro Nacional de D.Maria II.

Desconhecia por completo a obra e, enquanto tudo se preparava, cumprimentando amigos e conhecidos que, nestas coisas, felizmente, sempre encontro em razoável quantidade, fui passando os olhos, saltando capítulos, pelas paginas do livro.

E tive que me deter naquele cujo titulo deu a nota para este pequeno texto que continuo a escrever. Estava lá escrito, mesmo como titulo de um capitulo: "Eu vi ontem a sua picha no jornal" !.
Explicava o autor que, no tempo em que foi embaixador nos EUA, visitou New Bedford, por sinal um local que também muito bem conheço dos tempos em que fui director internacional da Banca e com responsabilidades, também, nas áreas de emigração e não residentes. New Bedford foi dos primeiros locais onde emigrantes portugueses, a grande maioria de origem açoreana, chegaram a terras do Tio Sam. Eram não só os primeiros mas, sobretudo, os mais incultos, mais desfavorecidos e, talvez por isso, dos primeiros destemidos a zarparem da pequenez e dificuldades das ilhas em que estavam confinados, rumo à então já chamada terra prometida e onde se acreditava que qualquer um, mesmo um como qualquer daqueles, podia chegar ao mais alto posto,  obter nível social e  riqueza.

Ora, a impreparação escolar, o grau enorme de analfabetismo e a origem da grande maioria daquela gente, que, diga-se, de destemida e corajosa estavam no topo da pirâmide, dificultava sobretudo depois dos primeiros anos em que a língua materna começava já a ficar para trás e muito se misturava com o inglês aprendido todos os dias em cada canto e com os sotaques e formas mais variadas, desde o que lhes vinha com origem  nos  hispanos, ao "inglês" dos brasileiros, chineses e dos próprios americanos, dificultava, dizia, a conversação e o uso da palavra em situações mais formais como foi o caso.

Visitava o embaixador a comunidade em New Bedford. Alocuções numa cerimonia mais ou menos formal, depreendo. E aparece um compatriota, ainda que bem situado no contexto social da comunidade local e, ao dirigir-lhe a palavra lhe diz, de chofre, "eu, ontém, vi a sua picha no jornal"! O que, mais não era que a tradução à letra da expressão corrente americana de "yesterday, I saw your picture in the newspaper !".

Calculo  o esforço que deve ter tido que fazer para remediar a situação ou não se dar por "tocado".

E, com a leitura deste episódio, recordei-me, de imediato, de outros dois episódios em que me vi envolvido, não nos Estados Unidos da America mas no Canada, ali mesmo ao lado.

Numa elas, durante uma visita de relacionamento bancário entre Bancos Correspondentes, estava numa reunião seguida de almoço formal no Royal Bank of Canada, ema Toronto. Normalmente, como director internacional, levava comigo alguém da área de Correspondent  Banking. Desta vez, como a comunidade portuguesa em Toronto  e no Canada era muito numerosa e eu  tinha até acabado por abrir um Escritório do Banco  em Toronto, fui acompanhado para o  Canada  por  duas pessoas, uma da área de Correspondentes, como já disse, e outra da área de Emigração  que faria, sobretudo, os contactos e promoção junto da comunidade portuguesa local, associações, comerciantes, empresários, etc.

Porém, nesse dia da visita ao Royal Bank, como a agenda estava aliviada, levei comigo as duas pessoas, até para que, quem não era daquela área, pudesse tomar contacto mais de perto com a realidade do relacionamento entre Bancos Correspondentes.

Importa dizer que a pessoa da área dos Bancos Correspondentes falava inglês, como se impunha, muito bem.  O mesmo não acontecia com a pessoa da área da Emigração.  Esse, apenas com necessidade de falar português e muitas vezes o "terra a terra" com os nossos compatriotas.

A reunião tinha já terminado e estávamos em pleno almoço. Entre o grupo português, qualquer palavra ou comentário avulso, deu origem a uma enorme gargalhada que me fez,  prontamente,   pedir desculpa aos nossos anfitriões.
E, de imediato, a reacção dos canadianos foi que não tinha importância, tudo muito bem. Mas, também quase em simultâneo,  o colega português da emigração que tinha estado na origem da pequena algazarra, pretendeu  ele próprio apresentar desculpas com toda a informalidade que lhe era habitual e,  no seu melhor inglês,  soltou um  "very sorry, in Portugl we are all GAYS ! ", pretendeu dizer que em Portugal somos  alegres, expansivos.

As caras  de todos os presentes à mesa revelaram alguma surpresa e, eu, tive que fazer talvez o que o que o nosso Embaixador terá feito em New Bedford para salvar a honra do convento!
Passei completamente ao lado  do sucedido, da conversa e do dito.

Mas como uma desgraça nunca vem só,  logo no dia seguinte, falando  para um empresário canadiano, durante um almoço, o nosso "herói da emigração", que na véspera nos tinha ouvido explicar ao Banco canadiano que  o "core business" do nosso Banco era o crédito à habitação,  resolveu, uma vez mais e com enorme estrondo, dar um ar da graça do seu inglês e, a dada altura , explicou ao canadiano, em inglês, que o "hard core" do nosso Banco era o crédito à habitação.
Aí, houve mesmo uma intervenção urgente e oportuna a corrigir o que tinha sido dito. è que não estávamos propriamente numa sex shop nem a ver filmes desse calibre.

Foi, portanto, esta apresentação de mais um livro editado pelo meu amigo e pela Ancora Editora, uma excelente e divertida oportunidade para relembrar algumas das minhas memórias.
Poderei chamar-lhes profissionais?

Carlos Pereira Martins
Em 6 de Março de 2020.





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