Deixei-me levar pelo palato e entrei em amenas conversas sobre comidas, sabores e afins.
Alguém me dizia que de Odemira para baixo estão os melhores sabores da cozinha portuguesa. Falava-me em caldos de cação, coentros, bolos de alfarroba, porco preto ou pelo menos com um bronze de fazer inveja pelos bons banhos de sol que vai apanhando, enfim, de tudo o que são coisas boas no Alentejo, deixando por vezes escorregar o chinelo até ao Algarve.
Maior e vacinado sou eu e não vou nessas generalizações tão simplistas. Então e os sabores do norte, das Beiras, do Minho, de Trás-os- Montes e Beira Alta? E os da micro região da Serra da Estrela? E os do Mondego desde Porto da Raiva até à Foz?
Sorte, sorte, temos nós com tanta diversidade e coisas boas num palmito de terra que acaba por ser o nosso país!
Até aqui, tudo bem. O texto poderia nem sequer entrar na série para Maiores e Vacinados Com a Segunda Dose já Tomada !
Apareceu-me na conversa um compadre que já não vejo há muito nem tão pouco lhe falava ou escrevia.
Claro que era um Compadre Alentejano, dos de boas memórias !
Concentrou-se de tal maneira nos sabores de Odemira para baixo que quase se me varreram da memória os de Lisboa para cima, até ao Minho. Que poder de argumentação e sedução...! Ganda magano!
De Lisboa para cima, sobretudo no Centro e norte,Diz ele que o país se pode dividir em dois, gastronómicamente. No Alentejo e Algarve, digamos que de Lisboa para sul, apreciam-se mais e sobretudo os coentros, não podem faltar.
Então, levou-me o pensamento para o que ele diz serem os verdadeiros aromas, sabores e paladares do sul, do Alentejo. E, na minha condição de Beirão curioso sobre o "então como é que se faz isso, e aquilo ?" prontificou-se a dar-me receitas suas e diz que nunca antes partilhadas ou desvendadas.
Diz-me então, para quem aprecie a boa comida do sul, em especial do Alentejo.
Sempre que lhe vem à memória algum sabor dos da sua infância alentejana, faz desta forma: teve a sorte ou a desdita, parece que elas são fogo, quase como se diz das castanhas ao sair do assador no Outono, ..., pois ! Mas a primeira coisa para preparar um bom prato de comida alentejana, diz ele, é pedir á esposa, à patroa, diz ele, que vá tomar um bom banho de imersão juntando à água um razoável molho de coentros. Muitos. Para ficar ela com o cheiro e espalhar aqueles bons aromas da erva maravilhosa pela casa toda e pela comida que há-de vir.
Depois, continua ele, quando ela acaba o banho, mete-lhe logo os tomates. Também é ele quem o diz.
Deixa aquecer aquele caldo, bem quentinho, esmera-se, quase a escaldar-lhe os dedos e todas as pontas que pode ir usando e, zás, já com os tomates lá dentro junta-lhe o pão alentejano, mesmo que vá algum do que o diabo terá amassado. E começa numa azáfama de mexer, virar e revirar, de cima para baixo, de um lado para o outro, de baixo para cima, uma canseira, sobretudo para as velocidades e os hábitos alentejanos !
E, com o sabor de coentros que a esposa levou do banho para o cozinhado, com a esfrega que ele, com gosto, devo dizer, diz que deu ao cozinhado, diz-me ele ainda que devo experimentar enquanto o garfo e os talheres se me não entortam de vez, dá cá uma açorda, ou umas migas de tomate que nem queiram saber.
Bom, destes sabores alentejanas nunca provei, erro meu, claro. E sei que me hei-de arrepender, um dia mais tarde.
Mas ainda lhe vou perguntar. Lembro-me de um sabor que experimentei, penso que seria a alfarroba. Quererá isso dizer que o prato seria não alentejano mas algarvio?
Alfarroba, alfarroba... ou seria só por ter estado perto da comida dos cavalos e dos porcos gorditos na serra algarvia?
Vá lá eu agora saber.
Conclusão importante e o essencial do que aprendi quanto a comidas ou ainda não comidas alentejanas: o essencial e a primeiríssima coisa a fazer antes de meter as mãos à massa, é pedir à esposa, Mulher, companheira ou o que quer que seja, digamos à fêmea, que tome primeiro um bom banho com um ramo de coentros. Depois, é como sempre, já todos nós viemos ao mundo ensinados e nem os bichinhos precisam que lhes digam como se faz.
Carlos Pereira Martins
(As artes de bem cozinhar)
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