quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Nem cá, nem lá...talvez pelo caminho ?

 


Saí de casa para  um passeio higiénico ao longo da minha extensa rua  no Alto dos Moinhos  com a intenção de o prolongar  até à zona do Centro Comercial Colombo.
Ia já perto do chamado Edifício dos Jornalistas e como o empedrado do passeio se torna menos agradável ao pisar, caminhava pelo alcatrão mesmo junto ao lancil. 
De repente, algum veiculo menos atento roçou em mim. Terei caído e a partir daí foi como se o chão se sumisse, os pensamentos que levava se tivessem evaporado, deixei de sentir, ouvir ou viver.

Muitos que já passaram por isso mesmo, voltaram a recuperar a caixa de ferramentas que lhes permite viver. Outros não. Quem recuperou, retomou o fio do pensamento que levava e  teve que o interromper para se virar para o desconforto ou mesmo para as dores que logo sentiu, para as lamurias, os pedidos de ajuda e para a resistência física que teve que  reaver.

Dos momentos em que perdeu a consciência, por desistência defensiva do próprio corpo e cérebro, quase ninguém de alguma coisa  se lembra. Houve um interregno como acontece quando a corrente eléctrica sofre um curto circuito e um fusível protector corta  a continuidade.

Dos outros, dos que não recuperam mais, não estou certo se tudo terá acabado  mesmo em todas as dimensões ali naquele momento, se acabando não é imediato e, embora sem o poder manifestar continuam a ouvir, quase que  “como que a sentir nas nuvens”  algo do que por ali se vai  passando,  se diz e pensa, ou se o ponto é mesmo final e todas as frases se acabam repentina e absolutamente, na tranquilidade e na imensidão do tempo.

É como se deixassem  de poder contar com a sua caixa de ferramentas, que se abriu, caiu e espatifou. A caixa  que tem os recursos para pensar, ouvir, questionar, falar, sentir prazer e dor, reagir ou desistir. A caixa de ferramentas é, obviamente,  o Corpo  de  cada  um.

E não estou nada certo nem tenho razões sérias e fundamentadas  para duvidar se o corpo é mesmo absolutamente necessário  para o que de ali para a frente possa vir ou se se terá pura e simplesmente finado.

Há quem apanhe tão grande  susto  que quando recupera volta alucinado.  Voltar   é já um exagero de expressão pois que ninguém, creio eu, vai ou volta de algum lugar.
Mas o medo foi tanto que a alucinação toma  força de verdade e não raro dizem que viram luzes, estiveram a entrar num túnel, foram envoltos numa nuvem, coisas mirabolantes.
Duvido mesmo de tudo isso. Não posso nem me atrevo a dizer que não acredito. Porque ninguém sabe !

O mais provável, se a ciência não me trouxer mais tarde e no meu tempo outros argumentos sólidos, é que tudo se acabe em absoluto e de vez, naquele preciso momento, ou momentos.   E há   mesmo  quem demore a acabar.

Numa situação como a que descrevi, estou, portanto, num ponto em que não posso contar já com o meu corpo, com os meus sentidos, pelo menos  na dimensão em que sempre os usei.
E agora?

Agora  nada, ou agora tudo diferente e a “coisa” continua embora noutra ou noutras dimensões?

Será que recupero em conhecimentos  uma imensidão de conhecimentos  e  novidades que até ali nem sonhava que a elas viesse a ter acesso?

Se sim, é obvio que disso, pelo menos, não posso fazer uso como outrora, partilhar, comentar, dar importância ao que quer que seja.

Numa tal dimensão, é muito claro, para mim, que não pode haver lugar a proteger “os meus” que por cá ainda andarão, nem interceder junto de um possível   Criador  disto Tudo por quem quer que seja pois que para que haja justiça e perfeição, tudo e todos terão que ter a mesma importância. Proteger uns, seria injustiça  para os  outros. Figuras parvas já fazem alguns jogadores de futebol, adeptos e treinadores quando entram em campo e levantam as mãos para os céus pedindo o favorecimento da sua equipa, que o sobrenatural lhes dê a habilidade que lhes falta para marcar um golo ao adversário, que o seu clube vença, todos esses favores que na hora julgam legítimos. Seria, obviamente, tomar partido por um em detrimento de  outro que tem de ser um igual aos olhos do Justo.

Voltando ao estado  em que se fica depois  dos sinais vitais deixarem de se manifestar para os que  cá ficaram, a analogia mais próxima que consigo  sugerir a quem tenha dificuldade em perceber  aquilo para o qual não temos ainda explicação cientifica e o nível actual do conhecimento humano não permite  explicar  convenientemente,  é  a situação por que se passa sempre que se é sujeito a  uma anestesia geral, a uma intervenção cirúrgica, por exemplo.

Há um tempo, aquele em que se está anestesiado, em que o mundo continuou a correr à nossa volta, o paciente continuou vivo pois umas horas mais tarde “acordará” de novo para a vida e as suas funções normais.
Mas nesse tempo, existindo ele  de cabeça, corpo  e espírito, é como se de facto tivesse morrido. Não consegue lembra-se do que quer que seja que se tenha passado consigo ou à sua volta.
No dizer popular, é como se tivesse estado todo esse tempo muito mais “para lá” do que por cá !

Penso que virá um tempo, e ele já existe no conhecimento actual, em que as neurociências e a neuro cirurgia permitirão mostrar com detalhe e recompor o que cada pessoa viveu de facto, o que pensou ou não, a actividade cerebral que terá tido, nesses períodos de inconsciência por desmaio  como refugio do organismo a  um sério perigo eminente ou em anestesia provocada.

E fica a duvida  ainda sem resposta, será que para quem não acorda do desmaio ou da anestesia  a sua continuidade,  embora noutra dimensão,  continuará também ou tudo terminará à beira do passeio próximo do prédio dos  Jornalistas, como nesta minha história ou  nas situações da vida real ?

Quem mais souber, ou que o diga, que se acuse ou, pelo menos, que mo diga a mim. Prometo guardar sigilo absoluto, tal como se ficasse inconsciente para sempre.

Carlos Pereira Martins



Sem comentários:

Enviar um comentário