sábado, 3 de outubro de 2020

ORDENS E REGULAÇÃO, NOVOS ATAQUES ?

Temos visto ao longo das ultimas décadas que cada vez que  há falta de  assunto  controverso na actualidade política e muito à medida das agendas partidárias ou até pessoais de muitas gente e também da comunicação social, há uns quantos "bombos da festa”  habituais  que servem para  preencher esses tempos, os discursos, as páginas e os noticiários.


Entre eles, estão a regulação, as profissões reguladas e as Ordens Profissionais.
Foi agora noticiado que alguns  partidos  e talvez a AR  em termos gerais, consideram a hipótese  de rever os poderes e a actividade das Ordens Profissionais, o que só pode ser feito através de uma revisão e reformulação da Lei Quadro das Associações Publicas Profissionais, uma vez mais.

A meu ver, pelo que conheço sobre esta matéria das   “profissões reguladasl”, das Ordens e do seu papel importantíssimo desempenhado na defesa do interesse publico nas múltiplas vertentes de cada uma das profissões abrangidas pelas Ordens Profissionais, considero um erro muito grave  tratar estes assuntos ao sabor de modas conjunturais, de inspirações de momento de alguém que acorda para um novo dia e pensa ter tido uma ideia luminosa, uma opinião que lhe irá dar mediatismo e talvez  originalidade. Tão só porque os ventos sopram nesse sentido porque alguém escancarou portas que deviam prudentemente  estar a resguardar  o que dentro de casa se deve passar  e o que ao domínio publico é devido.

É um  tema que proporcionaria  páginas e páginas de exemplos  ilustrativos das razões que levam à  defesa da regulação e no desmontar dos perigos para a sociedade do que seria entregar total e unilateralmente todos esses poderes   ao Estado ou ao Mercado. Há de facto os defensores do liberalismo puro e duro, avessos frontalmente à regulação de certas profissões fundamentais. No fundo, não pelo que  invoca e dizem que o mercado    é  uma forma perfeita  de atingir equilíbrios e eliminar o que não tenha qualidade mas, sim, por nessa formula verem uma forma pretendida e calculada para fazer mais dinheiro fácil, ao arrepio do interesse publico.
O mercado é muito importante para observar, ter em conta as necessidades da procura, o interesse e exigências dos consumidores, por um lado, e as características da oferta, a variedade, os preços e disponibilidade ou escassez da oferta. Mas se é muito importante por isso mesmo, não haja ilusões porque milagres ou o papel de 2endireita2, não o faz.


Está ainda fresco nas memórias de cada um por ser uma realidade de um passado não muito distante, anos 90,  a descoberta deste cantinho da Europa  por parte de muitos profissionais oriundos do outro lado do Atlantico, cujo desempenho motivou  muitos protestos por parte dos utentes provenientes, sobretudo na área da saúde e em particular dos médicos dentistas ou a invasão das chamadas clinicas de estomatologia, unidades de prestação de serviços de saúde que começaram a proliferar como cogumelos e, não fosse a acção decidida por parte da respectiva Ordem Profissional portuguesa, não só na exigência das condições efectivas necessárias para a prestação dos serviços com mínimos de segurança higiénica e técnica, bem como das competências e acreditarão por via das análises curriculares dos cursos e das escolas que os ministraram, trabalho feito não sem ter em conta as entidades académicas e de relação dos países de origem mas efectivamente em conjunto com as portuguesas. E, aquilo que parecia ser já uma praga e um segadora fácil de fundos aos utilizadores portugueses, foi normalizado, sem conflitos com os países de origem e preservando o interesse publico nacional, a saúde das populações. Deixou de se ouvir falar. O mesmo aconteceu noutras Profissões Reguladas, não só na medicina dentária.

Falemos ainda dos engenheiros onde havia nos anos  do início do novo século  só em engenharia têxtil, diversíssimos cursos, de teares de fios finos, de fios grossos, só faltava de fios finos azuis e fios finos amarelos e o mesmo se repetindo para os fios grossos ou médios. 
Claro que tudo isto, e a criação desenfreada de inúmeros cursos universitários sem  aderência de qualquer espécie ao mercado de trabalho, ás necessidades do país e à economia real, só serviu ao lobi  das universidades para facturar propinas dos alunos e subsídios do Estado, causando traumas nos jovens que sempre viram viver com a dignidade mínima qualquer um que tivesse tido a possibilidade de tirar um curso superior, digamos “ter um canudo”. Agora, depois dos esforços pessoais viam-se numa caixa de uma qualquer grande superfície ou, pior do que isso, no desemprego duradouro !

or sua vez, os pais, depois de uma vida de esforços, sacrifícios e privações para terem um filho “doutor”, acumulavam traumas e vergonhas de um mal estar social causado pela comprovada falta de sucesso que não era mesmo da sua responsabilidade.
E quem teve que lançar mãos à obra, os Reguladores do exercício dessas profissões alertando e procurando corrigir o que  se passava ou o mercado, o tal liberalismo miraculoso que tudo estabiliza e resolve?
Claro que, uma vez mais foram as Ordens Profissionais. 

Faltou em dignidade e vergonha, ao sector das universidades viradas exclusivamente para o comércio de “canudos” assumir a falta de vergonha, dar ambas as mãos à palmatória, que uma só não chegaria.

E que fique bem claro que ter mais jovens, mais população qualificada, licenciada e doutorada é essencial e necessário. Mas com conta, peso, medida e honestidade de processos. Coube ás Ordens  alertar para os aumentos exagerados em determinadas profissões e para a falta de aderência ao mercado de trabalho, claro.


Quase coincidiu e fizeram  lembrar o famoso Senhôzinho Malta, o “médico cirurgião dentista” da muito vista telenovela brasileira inspirada na obra de Jorge Amado. 

Tivessem as entidades de regulação portuguesas feito vista grossa ou não existissem, tivesse sido o mercado a separar o trigo do joio e muitos estariam hoje a lamentar perdas irreparáveis de gente que lhes é querida, conhecida ou a contar e lamentar situações irresponsáveis e irreparáveis.

A regulação de profissões que inferem directamente no bem estar, nos direitos fundamentais consagrados na Constituição, meramente para ilustrar, cito a saúde e a justiça, é não só muito importante como fundamental num Estado que se quer de direito, livre e de equilíbrio nas oportunidades e na protecção social. Equilibrio pois que igualdade é utópico, irrealista e nunca atingível.

Mas, uma coisa é muito certa. Se os responsáveis das entidades reguladoras do exercício da profissão ( as Ordens Profissionais) derem  facilidades à critica e contestação dos que se colocam regular e militantemente contra a regulação, em palavras muito simples, se se colocarem  “a jeito”, é sabido que os ataques não se farão esperar como agora foi já anunciado.

E não se colocar “a jeito”, será actuar única e exclusivamente  concentrados nas exigências, aptidões e práticas no exercício da respectiva Profissão  Regulada.
Refiro-me, sem rodeios, a cada um e a todos os Senhores Bastonários.

As Ordens Profissionais são Associações de direito público que actuam com poderes delegados pelo Parlamento, única e exclusivamente para regular o exercício da respectiva Profissão.
Cada Ordem Profissional tem as especificidades próprias a cada uma dessas Profissões Reguladas e o quadro legislativo e normativo que as regula e lhes confere poderes delegados pela Assembleia da República, está vertido nos Estatutos próprios, agora, através da chamada nova Lei-Quadro das Ordens Profissionais.
Ser Bastonário, foi sempre nos meus tempos de juventude, uma distinção muito importante. Sempre, pessoas e profissionais da maior competência, pessoas integras e dispostas a exercer cargos e mandatos sempre pro bono, que os Estatutos impediam qualquer remuneração aos dirigentes e Bastonários. Movimento associativo na sua pureza.
Recordo Bastonários, dos que já passaram e com quem privei, como Pires de Lima, Germano de Sousa, o Enfermeiro Germano Couto, a Enfermeira Maria Augusta de Sousa, Maria Irene Silveira, Pedro Nunes, António Simões Lopes, José Miguel Júdice, Rogério Alves, Helena Roseta, Fernando Santo, José Manuel Silva, o Prof. Carlos Ribeiro, Maria de Jesus Serra Lopes e Castro Caldas nos Advogados e muitos outros.
Sempre, mas sempre mesmo, foi observada com todo o rigor uma regra simples mas essencial ao funcionamento e entendimento de todas as Ordens e Profissões naqueles fóruns comuns em que se reuniam mensalmente, o Conselho Nacional.
Essa regra era a que distinguia completamente as Ordens dos Sindicatos de cada profissão e outra que impunha que ao Conselho apenas interessavam os pontos, aspectos e assuntos transversais a todas as Ordens e Profissões. Se assim não fosse, dadas as especificidades e diversidade de todas elas, não haveria entendimento e dialogo possível.
Por isso, vi com muito agrado a passagem como Bastonários de pessoas que vinham directamente do movimento sindical, dos sindicatos, como o Dr. Pedro Nunes nos Médicos e Maria Augusta de Sousa, nos Enfermeiros, para dar dois exemplos agora muito elucidativos.
E, nunca por nunca, qualquer destas pessoas, Bastonários, misturou os respectivos papeis. Uma vez Bastonários, foram sempre os assuntos e matérias relativos ao exercício das respectivas profissões, para os quais tinham poderes delegados pela Assembleia da República, que os norteou.

A credibilidade e honorabilidade de um Bastonário, desses tempos idos, não se compadecem com a mistura nas lutas políticas. Um Bastonario desses anos, entendia e cumpria que representava profissionais ideologicamente situados em todo o espectro politico. Por isso mesmo, deixaram sempre a política aos Partidos e dessa forma adquiriam maior independência, credibilidade e maior poder negocial e representativo para as Ordens, para as respectivas Profissões Reguladas.
E isso não era impeditivo da intervenção publica forte, como verdadeiros agentes, defensores e actores da Sociedade Civil organizada.

É muito importante que antes de assinar deixe bem marcado que a regulação das profissões ás quais o Parlamento entendeu constituir em Ordens e delegar poderes de Regulação do Exercício da Profissão, seja defendida.
E, nunca por nunca, misturada ou metida nos diversos sacos das reprimendas das actuações pessoais ou políticas de quem quer que seja, mesmo que nelas possa ter poderes de decisão.

Carlos Pereira Martins



  

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