sexta-feira, 22 de abril de 2022

Na aldeia de Rosalina a tradição ainda é o que era!

 Na aldeia de Rosalina a tradição ainda é o que era!

Assim acontece, mesmo para espanto dos incrédulos, dos desconfiados e dos que de tudo duvidam, exactamente por tudo e por nada.
Quando vou à aldeia de Rosalina e passo em frente da soleira da sua casa, fico logo a saber se alguém lá está ou se todos saíram.
Se as chaves estão na porta, do lado de fora, está gente em casa. Se não estão, todos sairam.
Se sai algum fumo pela chaminé, por pouco que seja, o almoço está a ser preparado. Seja o rancho melhorado, seja mais simples ou só uma sopa ao lume.
A tradição, na aldeia de Rosalina, é tão como era, que o gás em canalização ainda ali não chegou. Nem a água dita da companhia embora água de boa companhia é aquela que ou Rosalina ou alguma das filhas vai buscar num cantaro à bica da nascente que continua, tradicionalmente, a matar a sede e a servir toda a aldeia. E, aí, a companhia dos que por lá estão para levar água para casa, é mesmo muito boa.
Mas os tempos são de mudança, a canção do Zé Mário também é cantarolada lá pela aldeia, passa por vezes na rádio. E os tempos que se vivem são realmente de modernidades e de modernices.
Há tempos, quando passei na aldeia de Rosalina, ouvi perfeitamente no adro da igreja o sermão do padre Miguel. Agora, mesmo sem quebrar muito as tradições, já há uma instalação sonora que permite a quem não vá dentro da igreja, por motivos variados, ouvir o que lá dentro o padre faz esforço por comunicar às pessoas, aos crentes, ao dito seu rebanho, já que aquelas são terras serranas e de pastagens verdejantes.
Dizia o padre Miguel que o Homem veio ao Mundo para ser feliz. Isso mesmo, é esse o grande desígnio da Humanidade, ser feliz. E, diz o cura, tão mais fácilmente o conseguirá se praticar o bem, se se aperfeiçoar, se for um bom cristão, melhor, um bom católico. Mais tarde, atingidos os objectivos na Terra, poderá usufruir da felicidade suprema, no Reino dos Céus !
Passei de novo, agora na Páscoa, na aldeia de Rosalina. Nada mudou com significado. A não ser o sermão do padre Miguel que continuei a ouvir ali próximo do adro da igreja, sentado num banco comunitário que me deixava ouvir o que vinha da igreja, ver as crianças que jogavam à bola na rua aproveitando a largueza da frente do chafariz e ver alguns homens que, por ser domingo, estavam a bebericar sentados à entrada da taberna do Zeferino por forma que o sol lhes aquecesse as pernas. Se o copito de aguardente lhes aquecia o espírito, o sol tomava-lhes conta do corpo. Isto, sim, creio que deve fazer sentir feicidade.
Por vezes, com coisas muito simples, é tão fácil descrever a felicidade!
Mas, no sermão de Páscoa do padre Miguel, o conduto dessa pregação, a substância, tinha mudado e muito. Dizia ele que estamos em tempos de quaresma, de sacrifício (como se os sacrifícios viessem só na quaresma e depois passassem a grandes farras!).
Tempos de privação para expiar todos os pecados, os nossos, os dos outros, todos os da humanidade. Que o Homem veio à Terra para sofrer. Sofrer para se redimir dos seus pecados, dos dos outros também, e atingir, isso sim, numa outra vida, sei lá se sentado à direita ou à esquerda de um Ancião de fartas barbas brancas, Criador e Sabedor. Deus Pai.
Não sei se vou voltar, ao domingo, pois nos dias de trabalho, de semana, não há sermão na igreja ou não é transmitido pelos altifalantes do adro. È que aquilo causou-me uma séria baralhação nos conceitos. Afinal, EU, vim ao Mundo, e confesso que não pedi nem para isso fui ouvido, para ser feliz ou para ser infeliz para num dito "mais tarde" atingir essa felicidade?
E que mal fiz eu, antes de nascer, enquanto me formavam ou depois disso, na minha pacata vida, para ter que expiar pecados, ainda para mais os da Humanidade? Dá-me um certo ar a Nações Unidas e eu nem me chamo Guterres, embora seja seu amigo.
Pronto, vou comemorar o 25 de Abril que, com isso, tenho a certeza que atingirei alguma felicidade, por efémera que seja.
Abraço de Abril!
Carlos Pereira Martins



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