sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Os doutores médicos, os Arménios advogados e as Celestes engenheiras !

 Os doutores médicos, os Arménios advogados e as Celestes engenheiras !

Um estranho mundo de pretenciosos, convencidos e que flutua alguns metros acima da crosta terrestre !
Bernardo é um jovem filho da mãe, engenheira. O pai é advogado.
De certeza por ser filho da mãe, é muito curioso, astuto, inteligente e tem por hábito colocar questões a si mesmo por tudo e por nada. E não desiste enquanto não encontre ou lhe possam dar respostas que o convençam. Que expliquem as suas interrogações.
Vive numa vila do interior, pequena em importância e em número de habitantes, uma coisa pode ter muito a ver com a outra.
Por isso mesmo, ali, todos se conhecem, pelos nomes, pelas profissões de cada um, pelo bem que fazem e pelos disparates que já fizeram.
Sempre que os pais encontrem razão para levar Bernardo ao médico, uma gripe, uma dor de gargannta ou uma varicela apanhada na escola, dessas doenças infantis que costumavam chegar a todos, embora os todos nunca chegassem ao ponto de ser tantos quanto a nova doença da moda nos habituou a ver, temer e considerar, ia ao consultório do Dr. Calisto e do Dr Malaquias. Se estava um, era visto logo por ele, se estava o outro, o procedimento era igual.
Agora que lá tinha ido há precisamente dois dias, Bernardo já muito melhor da constipação que lá o levara, perguntava-se qual a razão pela qual o seu pai se dirigia ao médico tratando-o sempre por senhor doutor e o médico lhe retorquia tratando-o por senhor Arménio. O mesmo acontecia com a mãe que era ali tratada por dona Celeste.
Acontece que todos frequentavam os mesmos lugares, cafés, teatro sempre que havia, cerimónias oficiais e festas mais e menos importantes. Aí, eram a Senhora engenheira, o senhor Dr ( o pai, advogado) e o senhor Dr. ( qualquer um dos médicos). No consultório, durante o “acto médico”, passavam a dona Celeste e senhor Arménio mas os outros continuavam a ser senhores doutores !
Teve como primeira explicação do pai que, antigamente, há muitos anos, doutores eram só os médicos. Era uma forma de os elevar a um patamar de conhecimentos, competências e importância que os colocava acima de quaisquer suspeitas em relação ao que diziam, diagnósticos incluídos, e de os diferenciar por superioridade em relação ao resto da população.
“Se o médico disse…” e “até o médico lhe mandou tomar…” !
Estava dito e feito.
Há uma dúzia de anos para cá, quase todos passaram a ser “doutores”. Com aquela coisa do Acordo de Genéve, ou de Bordéus, … não, Bolonha, Bolonha é que deu o nome ao acordo que veio permitir que em vez de se ter que andar cinco anos ou mais a estudar e pagar propinas, sebentas, quartos e viagens para a terra, um canudo de doutor pudesse ser adquirido até ao máximo de três anos.
Até então eram todos muito parvos. Andavam a queimar pestanas e gastar o que nem chegavam a ter durante cinco ou mais anos , coisa que podiam bem fazer em três ou até menos !
Sabe-se que o recorde mundial é português e foi conseguido brilhantemente numa tarde de fim de semana. Mas isso, agora e para aqui, pouco interessa.
Então, a partir do famoso Acordo de Bolonha, só quem não o pretendeu mesmo não tirou um Curso Superior!
Como os conhecimentos adquiridos a tal velocidade pelos novos doutores eram parcos e como as universidades e quem delas tira os lucros não são parvos, arranjaram logo a forma de complementar os cursos com os chamados Mestrados.
Logo as vilas, mesmo as sem importância e do interior, ficaram repletas de Mestres. Sem empregos condizentes, por vezes a aviar produtos nos supermercados, mas Mestres.
E como os Mestres, por tantos que passaram a ser, cairam em desuso e em prestigio, só a escassez torna apetecível e valioso o produto, veio nova vaga para adquirir conhecimentos, os Doutoramentos !
Então, dito tudo isto, haverá ainda alguém que considere este e outros povinhos parvos?
Claro que não.
Mas voltando à vaca fria, que com tanto tempo passado desde as primeiras linhas e fora do forno é claro que já arrefeceu, há um despudor, um convencimento de habitar um mundo à parte e por cima de todos, uma falta de humildade e até de educação da parte de muito do pessoal médico, há excepções, claro, que se torna impressionante.
E só se curará quando o paciente , engenheiro, advogado ou economista , depois do médico preencher a sua ficha e lhe ter perguntado “ senhor Arménio, e qual é a sua profissão ?” lhe responder “sou advogado senhor Calisto ou senhor Malaquias !"
O jovem Bernardo fez questão de dizer que não se sente nada impressionado se todos se tratarem pelo seu nome singelo, sem titulos ou louvores. O que ele não entende é que ande para aí uma grande maioria de tolos a aturar e alimentar pretenciosismos de uns quantos que se julgam ou querem fazer passar por seres superiores.
A cada qual a muita importância e a competência que possa ter. Precisamos de todos, até dquele grupo musical “ Doutores e Engenheiros” ! de boa e saudosa memória.
Carlos Pereira Martins

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